Atualizado em 02/06/2025 – 15:16
Se as paredes dos palácios de Brasília falassem… bom, elas não precisam. Os grupos de WhatsApp dos assessores já dizem tudo — só não oficialmente. Aliás, a política brasileira funciona mais como um grande grupo de família: com indireta, print vazado e muita fofoca disfarçada de “análise de cenário”. E que ninguém ouse subestimar esse fenômeno. Que o diga o burburinho em torno da primeira-dama Janja da Silva, que, segundo a imprensa (vide reportagem do UOL de abril de 2023), teria causado crises “evitáveis” ao ignorar ministros e protocolos em suas postagens e aparições. Foi real? Foi exagero? Foi ruído ampliado por quem não suporta mulher com voz? Tanto faz. O que importa é que pegou. E no Brasil, quando a fofoca pega, já era — virou política.
A verdade é que o “disse-me-disse” não é só entretenimento nacional: é ferramenta de poder. E das boas. Talvez porque, como Yuval Noah Harari bem observou em Sapiens, desde os tempos dos nossos ancestrais Homo Sapiens, falar dos outros sempre foi uma forma de sobrevivência — era preciso saber em quem confiar (ou não) antes de sair pra caçar. A diferença é que, hoje, a gente caça cargo, verba e influência. E a fofoca segue sendo o mapa.
Não se trata só da maledicência gratuita (que, sejamos honestas, também rola solta). A fofoca por aqui é um sistema cultural. Um idioma próprio. Uma engrenagem do funcionamento coletivo. E sim, há estudos que confirmam isso. O Espaço do Conhecimento da UFMG e o Portal ZLSN já discutiram como fofocar ajuda a criar vínculos e manter grupos unidos. A versão gourmetizada do boato — a chamada “fofoca do bem” — foi até defendida em uma pesquisa americana citada pela VEJA, que sugere que falar bem de alguém pode render benefícios reais, tipo promoções e networking. Quem nunca?
Mas vamos com calma. Se por um lado a fofoca conecta, por outro ela exclui com precisão cirúrgica. No Brasil, onde tudo tem um jeitinho e o que vale não é o que está escrito, mas o que é dito por fora, a fofoca vira canal oficial. É moeda. É termômetro. É faca. Um estudo brasileiro publicado no SciELO chegou a analisar o valor moral e social que damos à fofoca. Porque, no fundo, quando alguém fala de outro, a gente aprende mais sobre quem fala do que sobre quem é falado — como bem lembra a UOL VivaBem, com base na psicanálise: “quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo.”
E se na vida privada já é assim, na política brasileira a fofoca assume o cargo de ministro sem precisar passar por sabatina. Num país onde ninguém confia plenamente nas instituições, e todo mundo vive armado com um print, o boato virou estrutura. Alimentado pelas redes sociais, ele constrói e destrói reputações, organiza cancelamentos e influencia voto. Lembra da fake news do “pacto com o diabo” na Paraíba, citada pelo Blog Nino Bellieny? E as operações da PF, noticiadas pelo UOL, que investigam gente que lucra com fake news políticas? Pois é. A fofoca se profissionalizou. O que o seu tio repassa no zap, hoje, vale dinheiro — e pode muito bem decidir uma eleição.
E olha que a gente nem entrou no mérito das decisões de verdade sendo tomadas em corredores e elevadores. Boatos sobre mudanças na segurança presidencial, por exemplo, chegaram a ser tratados como “fofoca” por setores do Exército, segundo o Diário do Poder. Mas mesmo o que se finge ignorar deixa rastro. A especulação virou critério. O que ninguém confirma é justamente o que mais move.
Agora, não pense que só os vilões sussurram. A fofoca também é ferramenta de resistência. O trabalho apresentado no Enecult da UFBA mostra como o deboche, a piada e o boato ácido servem como armas simbólicas contra o poder. Ridicularizar é desumanizar — ou humanizar demais, o que, pra quem vive de pose, é um perigo. Expor fragilidades com sarcasmo é prática política no Brasil. Sempre foi.
Então por que, afinal, o Brasil opera nessa frequência? Talvez porque nossa informalidade cultural encontrou nas fragilidades institucionais o terreno perfeito pra fofoca florescer. Onde não há confiança nas estruturas, a confiança no “olha o que eu soube” vira método. A fofoca não é só ruído. Ela é atalho. É narrativa paralela. É o Google Drive das verdades não ditas.
E aí, fica a dúvida: essa onipresença da fofoca é um sintoma de que nossas instituições estão falhando na transparência? Ou é só mais um capítulo da nossa identidade relacional, onde tudo se negocia na base do “vem cá, deixa eu te contar”? A resposta provavelmente está nos dois extremos — e em tudo que cochicham entre eles.
Enquanto isso, seguimos prestando mais atenção ao que se fala em off do que ao que sai no Diário Oficial. Porque no Brasil, quem não entra no “disse-me-disse” acaba fora do loop. E nesse país, estar por fora é estar sem poder.

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