Atualizado em 10/03/2025 – 10:33
LEONARDO VIECELI
A probabilidade de um jovem de classe média-alta cruzar a barreira do ensino médio e ingressar em uma universidade é mais que o triplo da registrada por um filho de uma família pobre no Brasil. A conclusão é de um estudo de pesquisadores da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
Para analisar o tema, o levantamento comparou dados dos jovens das famílias 20% mais ricas do país, que envolvem as classes média e alta, com estatísticas das 20% mais pobres.
O estudo leva em consideração brasileiros da mesma faixa etária (18 a 24 anos) que estavam na condição de filhos em seus domicílios e que já haviam concluído o ensino médio. O que muda entre eles é a faixa de renda domiciliar per capita (por pessoa), considerada uma “origem social” pelo estudo.
A partir da divisão dessa população por rendimento, o levantamento segue um modelo estatístico que calcula as possibilidades de cada grupo ingressar na graduação.
Em 2022, período mais recente analisado, a probabilidade de entrada no ensino superior dos jovens das famílias 20% mais ricas era 3,4 vezes maior do que a dos 20% mais pobres.
“É um número muito grande, é mais do que o triplo”, diz André Salata, coordenador do laboratório de estudos PUCRS Data Social. O pesquisador também está à frente do levantamento.
“O que explica [a diferença] é justamente a origem. Os jovens das famílias de cima [da distribuição de renda] têm muito mais recursos econômicos e culturais do que os jovens que vêm de baixo. Isso tem uma influência muito grande”, afirma.
Em média, o rendimento per capita das famílias 20% mais pobres estava próximo a R$ 267 por mês em 2022. Em igual período, a renda era de quase R$ 3.762 por pessoa entre os 20% mais ricos, também em média.
O segundo grupo, contudo, não reunia apenas famílias com supersalários. Para se ter uma ideia, as 20% mais ricas tinham rendimento que variava de R$ 1.851 a R$ 37.470.
De acordo com Salata, diferentes motivos explicam as barreiras no acesso às universidades para os jovens pobres que conseguem concluir o ensino médio.
Todos os fatores, diz, têm alguma relação com a origem social, incluindo restrição de renda, necessidade de trabalhar e nível de escolaridade dos pais.
“Se você vem de um meio social em que não é familiar lidar com pessoas que têm ensino superior, muitas vezes você nem pretende fazer o ensino superior”, afirma.
Democratização perde força
O pesquisador chama a atenção para o comportamento dos dados ao longo da série histórica.
Conforme o estudo, após uma tendência de democratização no acesso ao ensino superior a partir do início dos anos 2000, esse processo passou por uma espécie de estagnação ou até piora, dependendo do recorte, nos últimos anos.
Por exemplo: a probabilidade de os jovens 20% mais ricos ingressarem na universidade era equivalente a 4,2 vezes a dos 20% mais pobres em 2004. Essa vantagem chegou a baixar para 2,5 vezes em 2012. A disparidade, contudo, subiu a 3,4 no período mais recente (2022).
Um cenário similar, segundo o estudo, foi visto quando outras duas variáveis de origem social foram testadas nos cálculos de probabilidade.
Uma das variáveis é a escolaridade dos pais. Nesse recorte, a probabilidade de acesso ao ensino superior era 3,9 vezes maior em 2003 para os jovens cujos responsáveis tinham ensino superior, na comparação com os jovens cujos responsáveis possuíam apenas os anos iniciais do ensino fundamental. Essa disparidade chegou a cair para 2,4 vezes em 2014, antes de alcançar 2,9 em 2022.
A outra variável de origem social considera o perfil da ocupação dos pais dos jovens. Em 2002, a probabilidade de ingressar na faculdade era 5,8 vezes maior para os filhos de profissionais com qualificação de nível superior, na comparação com os filhos de trabalhadores manuais menos qualificados. Essa relação chegou a baixar a 2,4 e a 2,3 com o passar dos anos, mas fechou 2022 em 2,6.
“O que a gente observa é que houve uma redução da desigualdade de ingresso no ensino superior a partir do começo do século até aproximadamente 2015. Depois, o processo se interrompeu”, diz Salata. Na visão dele, a redução das desigualdades a partir do início dos anos 2000 esteve associada a um contexto “muito específico”.
Nesse sentido, o pesquisador cita a forte expansão do ensino superior, o fortalecimento de políticas voltadas à democratização nas universidades e a redução de desigualdades econômicas entre os estratos sociais.
Em 2025, Salata diz não apostar em uma grande reversão do quadro de estagnação dos últimos anos.
“A gente não está tendo uma queda significativa da desigualdade como teve anteriormente, e o ritmo de expansão do ensino superior está mais lento.”
O estudo foi publicado na revista acadêmica Dados, voltada para a área de ciências sociais. O artigo usa informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) como base. Há resultados desde 1992.
Naquele ano, os jovens das famílias 20% mais ricas tinham uma probabilidade de ingresso no ensino superior que correspondia a 1,7 vez a do grupo 20% mais pobre. O patamar era inferior ao de 2022 (3,4 vezes), mas não significava uma situação melhor, pondera Salata.
É que, no início da década de 1990, havia mais barreiras para a conclusão do estágio anterior do sistema educacional, o ensino médio, conforme o pesquisador. Com isso, a concorrência estava menor no nível superior à época, acrescenta.
Dados do Censo Demográfico divulgados em fevereiro pelo IBGE apontaram que a parcela da população de 25 anos ou mais com graduação concluída quase triplicou no Brasil em 22 anos.
Passou de 6,8% em 2000 para 18,4% em 2022. O percentual, contudo, ainda é inferior ao das pessoas sem instrução ou com fundamental incompleto (35,2%).

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