Atualizado em 06/08/2025 – 08:28
Na clássica fábula política A Revolução dos Bichos, George Orwell escancarou, com a simplicidade cruel dos contos infantis, como o poder corrompe, e como a corrupção se disfarça de benefício coletivo. A história que começa com a promessa de justiça e igualdade entre os animais termina com os porcos de terno, empanturrados à mesa, indistinguíveis dos humanos que juraram combater.
Na Vitória de 2025, a ficção bateu à porta da realidade e foi aprovada em regime de urgência urgentíssima.
Mesmo com salários de R$ 17.680 por mês, os vereadores da capital capixaba aprovaram para si mesmos um auxílio-alimentação de R$ 1.250 mensais. E em dezembro, como um banquete de fim de ano, esse valor dobra: R$ 2.500 no prato. Tudo isso, enquanto professores da rede municipal, que trabalham exaustivamente, muitas vezes sem tempo digno sequer para almoçar, recebem R$ 510 de ticket para sobreviver.
Assim como em Orwell, onde os porcos diziam que os mandamentos da Revolução eram para todos, até substituírem os lemas por “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”, também aqui os discursos se distorcem. Fala-se em “adequação legal”, “pareceres do Tribunal de Contas”, “respaldo orçamentário”. Mas na prática, o que se vê é o mesmo de sempre: a elite política se servindo com fartura enquanto a educação pública come pelas beiradas.
O que Orwell chamou de manipulação dos mandamentos, hoje atende pelo nome de “caráter indenizatório”. O que antes era “igualdade entre os bichos”, agora se chama “isonomia entre os poderes”. E o que era denúncia sobre o autoritarismo, virou expediente regimental.
E se em A Revolução dos Bichos os jovens porquinhos, cheios de entusiasmo, logo aprendem a andar sobre duas patas e a servir vinho nas taças dos antigos algozes, em Vitória não foi diferente. Muitos dos novos vereadores que chegaram à Câmara com promessas de renovação e coragem não demoraram a aprender a etiqueta do banquete. Sentaram-se à mesa com apetite, aprovaram o benefício com silêncio, e passaram a brindar como se sempre estivessem ali.
No livro, os porcos terminaram comendo com os homens, brindando enquanto os outros bichos assistiam do lado de fora da janela. Em Vitória, a janela é a transmissão da CMVTV. E quem assistiu, viu. Viu a pressa. Viu o silêncio. Viu quem não se importou.
É preciso lembrar: Orwell não escrevia sobre porcos.
Votaram a favor do benefício os vereadores: Aloísio Varejão (PSB), Anderson Goggi (PROG), Andre Brandino (PODE), Armandinho da Federal (PL), Aylton Dadalto (REP), Baiano do Salão (PODE), Bruno Malias (PSB), Camillo Neves (PROG), Dalto Neves (SDD), Darcio Bracarense (PL), Davi Esmael (REP), João Flávio (MDB), Luiz Emanuel (REP), Luiz Paulo Amorim (PV), Mara Maroca (PROG), Mauricio Leite (PRD) e Pedro Três (PSB).

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