Atualizado em 23/08/2025 – 07:32
Na última semana, a Polícia Civil do Espírito Santo apreendeu um lote de biscoitos da marca Veganitos, produtos que eram vendidos como “saudáveis”, mas que apresentavam informações nutricionais incorretas no rótulo, de acordo com as autoridades. O caso levantou um alerta sobre os riscos que a má rotulagem pode trazer ao consumidor e a fragilidade da fiscalização no setor de alimentos.
Para entender mais sobre o assunto, o VIXFeed conversou com a professora doutora do curso de nutrição da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), coordenadora e pesquisadora do projeto de extensão PINPAC, Erica Moraes, que trabalha com elaboração de Informação Nutricional para produtos agroindustriais.
Foram apreendidas aproximadamente 750 unidades dos biscoitos Veganitos, em sete lojas de produtos naturais localizadas em Vitória e Vila Velha. Segundo a investigação, apesar de indicar ausência de uma quantidade significativa de sódio, o produto apresentava mais 900mg por 100g, valor quase 200 vezes superior ao permitido para essa classificação.
Além disso, os biscoitos apresentaram carboidratos em quantidade 125% maior do que a informada, gordura total 88% maior e valor energético 116% maior. Os produtos também não apresentavam a identificação do lote, informação exigida pela regulamentação brasileira.
Consequências aos consumidores
A professora destaca que casos como este, em que há divergências entre o que consta no rótulo e a composição real do alimento podem gerar sérias consequências à saúde de determinados consumidores. Pacientes com hipertensão, por exemplo, dependem da informação correta sobre o teor de sódio para controlar a pressão arterial. Pessoas diagnosticadas com diabetes, que precisam monitorar a quantidade exata de carboidratos ingeridos diariamente, também podem ser prejudicadas.
“A rotulagem está presente no nosso dia a dia como uma ferramenta de saúde pública, para que a gente possa ter clareza no produto que a gente está adquirindo diante do Código de Defesa do Consumidor. Hoje a gente já entende que o próprio excesso de consumo de determinados nutrientes, como, por exemplo, o sódio, também levam ao processo de doença. Nesse sentido, a gente tem questões relacionadas a risco de curto prazo, médio prazo e longo prazo”, afirma Érica.
A professora explica que o Brasil tem um longo histórico de regulamentações relacionadas à rotulagem, reconhecido internacionalmente. Essa rotulagem nutricional é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e define informações que devem obrigatoriamente estar presentes nas embalagens de alimentos, como lista de ingredientes, informações sobre alergênicos, declaração de glúten, tabela de informação nutricional, identificação de origem e lote, e prazo de validade.
Essa regulamentação passou por mudanças recentes, visando auxiliar o consumidor na escolha de alimentos mais saudáveis, com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 429, publicada pela Anvisa em 2020. Entre as novas regras, a legislação prevê mudanças no design das embalagens com o objetivo de tornar as informações mais legíveis para o consumidor e um novo símbolo para alimentos que apresentam alto teor de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.
Os biscoitos apreendidos pela Polícia Civil também estavam inadequados neste sentido. “Esses produtos deveriam ter no seu painel principal, na metade superior, o símbolo da lupa escrito alto em sódio. Então, esse produto também já não estava atendendo às normativas em função dessa atualização”, afirma Érica.
É possível identificar?
Apesar da legislação rígida, casos como o do Espírito Santo mostram que ainda há brechas, por conta da dificuldade de fiscalização dos produtos, principalmente quando se trata de pequenas empresas. Entretanto, a professora explica que alguns sinais podem ajudar o consumidor a identificar possíveis produtos com erros nas informações. Entre eles, ela cita:
- a falta das informações obrigatórias por lei;
- tabelas nutricionais com valores muito iguais ou arredondados, que pode significar uma possibilidade de falta ou erro nos cálculos da composição;
- afirmações como “previne a diabetes” e “controla o colesterol”, usadas com a intenção de aumentar vendas.
Falta de informação
Muitas vezes, com pequenas empresas, a inadequação acontece por conta da falta de informação. O PINPAC, projeto de extensão da Ufes coordenado por Érica Moraes, busca auxiliar esses empreendedores.
“[O PINPAC] surgiu juntamente com a publicação dessas novas resoluções, em função de que era uma demanda do mercado ter essa atualização dos rótulos e partindo do princípio que principalmente os pequenos produtores são os que têm mais dificuldade de acesso a profissionais que façam essas informações nutricionais. A gente faz essas Informações Nutricionais, associado também à parte de educação nutricional relacionada a esses rótulos”.
A professora destaca que as informações corretas na rotulagem são direito do consumidor e fundamentais para garantir uma melhor alimentação.
“Nós, como seres humanos, temos direito à alimentação adequada, e a rotulagem é um meio que a gente faz a comunicação entre o produto e o consumidor. Isso faz com que a gente, consumidor, possa ter muito mais autonomia no processo de controle de doenças, de má nutrição. Então, essa relação entre a rotulagem e a saúde pública, ela é extremamente importante, porque é um meio da gente ter acesso à informação dos produtos que nós estamos consumindo, e isso faz com que nós tenhamos melhores escolhas alimentares”, explica Érica.
O outro lado
A empresa mineira Pão da Mata Alimentos LTDA foi notificada e tem 20 dias para se manifestar às autoridades. Em nota, se posicionou sobre a operação da Polícia Civil e sobre a venda do biscoito ter sido proibida no Espírito Santo.
Confira a nota na íntegra:
“Foram veiculadas, durante esta semana, notícias sobre a apreensão dos biscoitos temperados Veganitos, bem como a proibição temporária de comercialização no estado do Espírito Santo. A medida foi motivada por denúncia apresentada pelo Sindicato da Indústria de Massas Alimentícias e Biscoitos do Estado do Espírito Santo (SINDIMASSAS/ES). Na ocasião, foram coletadas 6 unidades do produto para análise laboratorial, cujo laudo apontou divergências entre os valores declarados no rótulo e os encontrados na análise. Destacamos que, conforme o artigo 27 da Lei Federal n.º 6.437/77, a coleta de amostras para exame fiscal deve ocorrer em triplicata, ficando um conjunto de amostras em poder do detentor ou responsável. O mesmo artigo garante que é direito do interessado requerer revisão da análise mediante contraprova, o que não ocorreu neste caso. Nossa equipe jurídica já está acompanhando o processo e adotando as medidas cabíveis, especialmente diante de algumas inconsistências verificadas no procedimento. Cabe ressaltar ainda que o PROCON não tem competência para esse tipo de análise, afinal, isso cabe à Vigilância Sanitária. É importante lembrar que produtos alimentícios naturais, especialmente veganos à base de batata-doce, podem apresentar variações nutricionais em razão de fatores como: diferenças sazonais da matéria-prima, processo artesanal de produção, metodologia de análise laboratorial e margens de tolerância previstas pela legislação. A RDC ANVISA n.º 429/2020, por exemplo, reconhece variações de até 20% para mais ou para menos nos valores declarados em rótulos. O laudo unilateral do PROCON indicou divergências em nutrientes como sódio, calorias, carboidratos e gorduras. Ressaltamos que tais componentes são macronutrientes comuns e essenciais em qualquer dieta equilibrada, não configurando risco à saúde do consumidor. Ao contrário de contaminantes, resíduos químicos ou substâncias proibidas, tais nutrientes não configuram risco intrínseco à saúde quando em quantidades superiores às informadas no rótulo. Reiteramos que em nenhum momento houve intenção de induzir o consumidor a informações incorretas. A Pão da Mata Alimentos Funcionais é uma empresa idônea, com mais de 10 anos de atuação, sempre pautada pela transparência, qualidade e compromisso com a saúde de seus clientes. Assim que confirmada a necessidade de ajustes na rotulagem, os mesmos serão realizados de forma imediata, reafirmando nosso compromisso com a conformidade e a confiança construída junto aos nossos consumidores. A Pão da Mata Alimentos Funcionais, empresa produtora do Veganitos, atua há anos no mercado sem qualquer mácula em sua reputação. Possui todas as licenças sanitárias em dia, segue rigorosamente as boas práticas de fabricação e nunca foi objeto de reclamação fundamentada. Motivo pelo qual encontra-se no mercado há quase 11 anos, sempre contando com a confiança dos nossos clientes e nutricionistas parceiros.”

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