Atualizado em 04/09/2025 – 16:30
Já faz dias que a paixão foi deposta. E de posse das lembranças, lembro que a figura era impossível de ser agradada. Reclamava de tudo, cada passo meu, cada escolha minha. Logo eu, tão bonita no primeiro dia, tão símbolo de sorte eterna quando apareci na vida dele feito um anjo.
Lembro que o anterior também tinha sido assim. Primeiro eu era a coisa mais preciosa do mundo, e de repente eu não era nada. Eu não sei que buraco essas pessoas têm dentro de si para que o agradamento seja tão difícil quando antes era tão fácil.
As literaturas de memes diversos dizem se tratar de um mecanismo de controle. Você, mulher, precisa necessariamente se diminuir para caber. Vai, a cada crítica, fazer o possível e o impossível para estar à altura de um macho disposto a assumir compromisso com você.
Você, mulher, deve servir ao homem. É claro, você não tem mais o que fazer, e na mídia os bons casamentos são sempre o de uma mulher servil com um homem brilhante. Por trás de um grande homem? A grande mulher _ atrás, nunca ao lado. Mas de alguma maneira você não consegue aceitar este lugar.
É que você realmente queria ao lado, uma troca, uma divisão justa de tarefas. E você está cansada, trabalha pra caramba, gosta de gostar e quer trocas profundas. Quer ser bonita de novo como no primeiro dia, antes dele dar por conquistada a conquista. E não quer ter que ficar falando toda hora que qualquer relação exige manutenção.
Ora se tudo que eu faço é tão ruim assim pra você, vou parar de fazer e pronto. A paixão deposta se sente injustiçada em ter sido deposta. Você realmente não vai tentar agradar? Ele não se pergunta que vantagem você teria além da companhia de um exemplar de macho que sabe tomar banho e conversar e passar fio dental.
E você até queria um macho. Nem queria depor a paixão. Eu queria até que a história fosse só minha, mas eu despersonalizo totalmente. Eu não sou tão especial a ponto de ter como só meu um problema que é social.
As amigas reclamam há anos que os maridos precisam participar das casas. Os maridos se justificam há menos tempo, mas agora começam a ter argumentos como a desconstrução – lentíssima – que eles têm tentado fazer. Mas não estão sendo bons os tratos.
Eu não quero ser obrigada a desistir de paixões nem a mandar macho lavar louça e me tratar bem. Eu não quero ser obrigada a pedir pra qualquer pessoa me tratar bem. Então eu saio. Por sorte (que é o nome que a gente dá pra escolhas bem-sucedidas) não dependo financeiramente dessas criaturas. Mas e quem depende? Como fica?
Não dá pra dizer que é culpa da mulher sozinha um envolvimento, uma crença no que o outro fala, uma esperança de um amor tranquilo. E também não dá pra dizer que é culpa só de um único macho a expectativa da servidão. Mas a conta não fecha. E a gente precisa, então, se refazer.

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