Atualizado em 21/03/2025 – 12:22
Para que o poder político se mantenha, é essencial que os grupos sociais contrários sejam devidamente observados, controlados e contidos. Isso não chega a ser nenhuma novidade, apenas revelando uma aplicação do que Thomas Hobbes nos ensinou alguns séculos atrás: o Estado deve ser forte, absoluto e com decisões indiscutíveis, pois seria a única forma de evitar o caos social.
Esse controle precisa ser atualizado e traduzido na contemporaneidade, ganhando uma sofisticação que se convencionou chamar de “segurança pública”.
É bom esclarecer que o Direito (de onde, em tese, a atividade policial se nutre) se apresenta como neutro, mas na verdade atua selecionando fatos sociais e normas a serem aplicadas.
Assim como é ilusória a imparcialidade das leis – na medida em que a Justiça é um produto social – assim também é sua aplicabilidade, que se dá a partir do tensionamento das relações de propriedade, em geral.
Portanto, a execução das leis em sua forma visível e aguda – a atividade policial – reflete as desigualdades estruturais da sociedade, com sua aplicação não ocorrendo no campo da abstração, mas sim concretamente por pessoas e para pessoas com interesses, ideologias e subjetividades das mais diversificadas.
O Direito não se sustenta por suas estruturas normativas, sendo apenas uma ideologia com aparência de legalidade para a prática de atos que sustentam as desigualdades.
A gestão política da atividade policial recria esse Leviatã* no varejo a partir de construções de vocabulários de motivos muito sedutores, do tipo “pessoa em atitude suspeita” ou “local típico para a prática de crimes”, suaves cantilenas para os ouvidos receptivos das demais instâncias do sistema de justiça criminal.
Apenas para exemplificar, vemos duas formas bem marcadas de atuação estatal: o policiamento de contemplação nos bairros nobres e o policiamento de ataque nos bairros periféricos. O primeiro se baseia na mera observação, com a abordagem policial só acontecendo quando se detecta um elemento infeccioso; no segundo, a regra é partir de um diagnóstico prévio e impreciso de infecção generalizada no território, devendo ser debelada de imediato por uma espécie de “cloroquinamento” ministrado compulsoriamente (me permitam o neologismo), de duvidosa eficácia e legalidade.
“Desde que o mundo é mundo” – como diria Dona Alzira – há violência e manutenção de privilégios. No capitalismo tardio brasileiro, essas características ganham tons escarlates e corpos esquecidos.
“Tomemos nossa cicuta com tranquilidade”, como diria Maria da Conceição Tavares**.
Até a próxima dose, amigos e amigas.
*Obra de Thomas Hobbes publicada em 1651.
**Maria da Conceição Tavares (1930-2024) foi uma economista e professora luso-brasileira.

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