Atualizado em 07/12/2024 – 18:42
O caso da passageira que foi filmada e exposta nas redes sociais, após se recusar a trocar de lugar com uma criança, viralizou e continua repercutindo entre internautas nesta quinta-feira (5). A situação foi registrada por outra passageira, que não se conformou com a negativa. O VIXFeed conversou com o advogado Sérgio Murilo França, especialista em Garantias Fundamentais, que explicou que a mulher que registrou e expôs a cena pode responder por crime de difamação e outros processos.
O vídeo foi exposto nesta quarta-feira (4) e foi altamente replicado. Antes da gravação começar, a mulher teria pedido para a passageira, identificada como Jennifer Castro, trocar de lugar com a criança, que tinha preferência pelo assento na janela. Entretanto, o pedido não foi aceito.
Nas imagens é possível ver a passageira sentada e a pessoa que está filmando diz: “Ela não quer trocar de lugar. Até perguntei se ela tem alguma síndrome, alguma coisa, a pessoa não tem nada. Tô gravando a sua cara. Você não tem empatia pelas pessoas, isso é repugnante. No século XXI, não tem empatia com as crianças”.
O VIXFeed procurou o advogado Sérgio Murilo França, especialista em Direito Civil e Processual e Mestre em Garantias Fundamentais para entender as consequências dessa situação.
Confira a entrevista:
VIXFeed: No caso de como a filmagem foi feita e a situação exposta, caberia algum processo para essa mãe?
Advogado Sérgio Murilo: Sim, porque essa passageira, provavelmente teve o assento na janela atribuído a ela automaticamente pelo sistema da companhia aérea, ou ela o adquiriu, pagando um determinado valor, ou pela reserva antecipada do assento, ou mesmo utilizou algum programa de fidelidade, como muitas companhias têm, que dão aí a prioridade na marcação antecipada do assento. Então, uma vez que ela, enquanto consumidora, está no seu direito de utilizar aquele assento, ela não pode, de forma alguma, ser exposta ali por outro passageiro, ou mesmo pela companhia aérea, de qualquer forma. O que a gente pode verificar pelo vídeo é o intuito único e exclusivo dessa mãe que se sentiu, em tese, lesada, mas que na verdade ela não estava no seu direito. O intuito dela era de ofender a imagem dessa mulher que estava ali na janela. Ela teve o intuito ali de desqualificar, de atribuir qualidades negativas. Ela filmou aquilo ali com o intuito mesmo de poder difamar, de desqualificar essa pessoa na internet perante terceiros. E para esse caso fica caracterizado o crime de difamação, que é previsto no Código Penal e pode dar pena de detenção de três meses a um ano e multa. E além da questão criminal, essa pessoa pode ser processada criminalmente por ter exposto indevidamente a imagem dessa mulher, de forma a reduzir a imagem dessa pessoa e desqualificar. Tem também a questão cível, da indenização por danos morais. Uma vez que essa imagem foi utilizada de forma indevida e ofensiva na internet, com o intuito de prejudicar essa mulher, ela tem o direito também de obter uma indenização por danos morais, se ela optar também por processar essa ofensora na Justiça.
VIXFeed: A pessoa que filmou então corre o risco de ser presa?
Advogado Sérgio Murilo: Mesmo se tratando de um crime de difamação com pena de detenção de três meses a um ano e multa, é um crime de menor potencial ofensivo. Ele tramita em juizado especial criminal e acaba que isso não termina em prisão, termina em uma pena restritiva de direito ou mesmo só na multa. Ela pode pegar um serviço comunitário ou pagar determinados valores em favor de uma instituição beneficente, por exemplo.
VIXFeed: Hoje em dia é muito fácil, com o celular à mão, fazer gravações em situações que as pessoas se sentem lesionadas de alguma forma, com a finalidade de criar provas ou mesmo fazer exposição na internet. Quais os cuidados que devem ser tomados?
Advogado Sérgio Murilo: Hoje as pessoas estão expondo qualquer tipo de situação mesmo sem saber se têm razão ou não, mas é necessário tomar muitos cuidados porque, apesar de muita gente pensar que internet é “terra sem lei”, não é. Nós temos, por exemplo, o Código Penal de 1940 que acaba tutelando situações que ocorrem até hoje em 2024, como essa por exemplo, de expor indevidamente a imagem de uma pessoa, desqualificar essa pessoa e a sua moral, além de ofender sua honra. Isso pode gerar problemas na esfera criminal e na esfera cível.
VIXFeed: A companhia aérea também pode ser processada em uma situação assim?
Advogado Sérgio Murilo: Nós temos no Código de Defesa do Consumidor a teoria do risco-proveito, né? E sobre essa teoria, o dever de segurança, o dever de prestar um serviço adequado, eficiente e seguro no mercado de consumo. Ele é do fornecedor. Então, portanto, essa passageira reservou esse assento, ela está devidamente alocada nesse assento na janela, ela tem o direito, enquanto consumidora e o fornecedor tem o dever de fazer esse transporte aéreo de passageiros de forma adequada, eficiente e segura, da origem até o destino. Então ela não poderia ser importunada, não poderia ter a sua imagem violada, e quem tem esse dever de segurança é sempre o fornecedor. Nesse caso, se eu for aplicar o Código de Defesa do Consumidor pura e simplesmente, eu posso sim processar a companhia aérea que não se cercou dos devidos cuidados para poder me garantir, enquanto consumidor, que eu tivesse esse serviço prestado de forma adequada, sem aborrecimentos, sem transtornos. Agora, como a companhia aérea vai fazer isso? O problema é dela, por isso que a gente aplica a teoria do risco-proveito. Por exemplo, caberia ali aos comissários de bordo identificar imediatamente esse constrangimento que foi imputado a essa consumidora e já fazer cessá-lo imediatamente. E a empresa também pode processar a mãe que estava filmando.
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