Atualizado em 20/12/2025 – 06:36
Existe uma mentira confortável que insiste em sobreviver na política brasileira: a de que ocupar um cargo público pressupõe caráter, equilíbrio emocional e compromisso com o bem coletivo. Não pressupõe. A realidade mostra exatamente o contrário.
O caso ocorrido na Serra, envolvendo um vereador que invadiu a casa da ex-namorada, agrediu pessoas e entrou em confronto com a polícia, não é apenas um episódio policial. É um escândalo político. E tratá-lo como algo menor é parte do problema.
Que tipo de representante público age como ameaça social?
Um vereador não é apenas um cidadão comum. É alguém que legisla sobre a vida das pessoas, vota projetos que impactam diretamente a segurança, os direitos e o orçamento público, fiscaliza políticas públicas e ocupa um lugar de poder, simbólico e real, dentro da sociedade.
Quando alguém com esse poder age de forma violenta, descontrolada e abusiva, a pergunta não é apenas “o que ele fez?”, mas temos em redes sociais os populares dizendo: “por que ele ainda ocupa esse cargo?”
E a visão da população está coerente: um vereador não consegue lidar com o fim de uma relação sem recorrer à violência, como ele pode lidar com conflitos sociais, disputas políticas e interesses coletivos?
O mito da separação entre o homem privado e o homem público
A política adora usar um argumento conveniente:
“É preciso separar a vida pessoal da vida pública.”
Esse argumento só funciona para proteger homens no poder.
Violência doméstica, invasão de domicílio e agressão não são “questões pessoais”. São falhas graves de conduta incompatíveis com o exercício de mandato. Isso se chama quebra de decoro parlamentar. E deveria ter consequência política imediata.
Se o Legislativo tolera esse tipo de comportamento, ele envia uma mensagem clara: não importa o que você faça, desde que tenha mandato.
Como um vereador assim protege a sociedade?
A pergunta que a sociedade faz é direta e a resposta é dura: um representante público com esse tipo de conduta não protege ninguém.
Quando um vereador:
age movido por controle e ciúme,
desrespeita a autonomia de uma mulher,
reage com agressividade diante de conflito,
e ainda desafia a autoridade policial, ele deixa de ser agente de proteção e passa a representar risco.
Esse perfil de figura pública enfraquece a credibilidade do Legislativo, deslegitima qualquer discurso sobre segurança e defesa das mulheres e alimenta uma lógica perigosa: a de que o poder político concede imunidade moral.
E aqui está o ponto que a população espera ver respondido pelo sistema político: o problema não é só o ato em si, é o que as instituições farão diante dele.
A sociedade quer saber:
haverá afastamento do cargo?
haverá processo por quebra de decoro?
o partido vai se posicionar ou vai se omitir?
a Câmara vai agir ou vai escolher o silêncio conveniente?
Porque, neste momento, não é só a conduta de um vereador que está em julgamento, é a capacidade das instituições de proteger a sociedade e sustentar a própria credibilidade.
A política brasileira é especialista em administrar escândalos até que a opinião pública esqueça. Enquanto isso, mulheres continuam sendo agredidas por homens que discursam sobre moral, família e ordem.
Legislar sobre mulheres exige mais do que voto em plenário.
Não basta aprovar leis se quem as aprova não acredita nelas na prática.
Não basta discursar sobre proteção feminina enquanto se invade o espaço de uma mulher com violência.
A presença de homens violentos em cargos eletivos contamina o debate político, esvazia políticas públicas e transforma a pauta da mulher em retórica oportunista.
Mulheres não precisam de representantes que façam discursos de “defesa” e, na prática, produzam medo e violência. Elas precisam de instituições que não sejam coniventes, de mandatos que sejam interrompidos quando o limite é ultrapassado, de partidos que assumam responsabilidade por quem lançam, e de câmaras municipais que entendam que decoro não é formalidade, é o mínimo ético esperado de quem ocupa um cargo público.
O recado que fica quando um vereador agride e segue politicamente intacto é devastador. Para as mulheres, a mensagem é de abandono: vocês estão sozinhas. Para os agressores, o sinal é de impunidade: o poder protege. Para a política, a conclusão é óbvia: vale tudo. Isso não representa uma democracia saudável. Isso é falência moral institucional.
Não é exagero. É alerta.
Não se trata de cancelamento, trata-se de responsabilidade política. Quem não consegue respeitar uma mulher não tem condições de representar a sociedade. Quem reage com violência não deveria legislar sobre ordem pública. Quem confunde poder com controle não pode ocupar cargo eletivo. Enquanto a política insistir em não enfrentar esse tipo de comportamento com seriedade, qualquer discurso de proteção às mulheres continuará sendo apenas retórica bonita e uma utopia cruel.

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