O processo de recrudescimento da violência urbana na cidade do Rio de Janeiro remonta meados dos anos setenta do século passado, quando os vendedores de drogas proibidas passaram a se armar para defender seus pontos de venda nas comunidades. Décadas antes já se instaurava a proibição das drogas. Em 1830, na capital do Império, a lei do pito do pango (um dos nomes pelos quais se conhecia a maconha) trazia a pena de três dias de cárcere ao usuário e multa de 20 contos de réis ao vendedor, já demonstrando a tradição brasileira de se punir a pobreza e de ser condescendente com as altas classes. A proibição, combustível para a violência, iniciava nossa “guerra de guerrilhas tropical”.
Após subir os morros, as drogas passaram a ser vendidas em grande escala, sobretudo depois da democratização do consumo da cocaína. A partir de então vimos a cidade esvair-se em sangue: entre o asfalto e a favela, grupos rivais se enfrentavam e arrostavam a polícia, cumpridora dos mandos desde os tempos remotos: controlar os foras-da-lei, plasmados na miséria e exclusão.
A cidade passou a contabilizar – às dezenas – os policiais mortos nessa repressão irracional, lançados à toda sorte de políticas equivocadas, e igualmente se perdiam as vidas daqueles que escolheram como ocupação a venda destas substâncias. A disputa bélica se acentuava entre os grupos criminosos, onde quem possuía o melhor fuzil impunha o maior temor. Armas de guerra atravessando luxuosas avenidas e corpos matáveis, com a violência não causando mais qualquer perplexidade. Amontoávamos nossos cadáveres e recrutávamos imediatamente novos combatentes: jovem periférico, tome sua farda e seja herói!
Hoje, o Rio de Janeiro tem testemunhado uma violência notável: o território fragmentado em clusters de milicianos, criminosos de terno e as denominadas “facções” gerando mais desordem e desesperança. Do lado de cá das trincheiras nós temos dobrado a aposta, na forma de uma espiral que se retroalimenta.
No Espírito Santo já temos observado uma crescente da violência. Policiais mortos ou feridos já não tem sido um acontecimento incomum. Armamentos cada vez mais potentes sendo apreendidos demonstram que algo está acontecendo: hoje somos o Rio de Janeiro das últimas décadas do século passado. Mas o que nos caracterizaria como tal?
Basicamente seria a concentração da violência primária em áreas urbanas, pobres e densamente povoadas; entrega de serviço público de segurança altamente militarizado, com significativa letalidade de civis; naturalização social da violência como rotina e estigmatização territorial.
E como resolvemos isso? Repetindo os erros dos vizinhos cariocas, claro! Vitrine na qual se evidencia absolutamente tudo (do exuberante ao bizarro), insistimos nas estratégias da cidade desmaravilhosa em tratar o problema pelo gume da baioneta. Jovens fardados tentando resolver na ponta do fuzil um problema que se resolve na ponta da caneta. Enquanto continuarmos com o ritmo “fordista” de produção de miséria, a tendência é o agravamento do “nosso belo quadro social”, como diria o bardo baiano Raul Seixas.
Política do saco preto, segurança pública recadeira e outras formas vulgares de tratar o tema mais prejudicam do que ajudam: criam no imaginário daqueles que se opõem à norma a necessidade de enfrentamento a qualquer custo. Neste cenário, quem morre não está nos palácios e gabinetes refrigerados: está nas favelas e nos quartéis. É o faroeste sudestino apresentado nos telejornais: afinal, sangue vende!
Segurança pública se faz com governo, não com guerra. Em uma metáfora biológica, seria amputar o braço do paciente ao invés de tratar a infecção com antibióticos.
Precisamos buscar soluções agora para não nos tornarmos em alguns anos o que atualmente é o nosso famoso vizinho. Como? Tratamento multidisciplinar para todas as causas da violência, distribuição de renda, educação e inclusão social. O resto é verborragia vazia em uma mesa de boteco digital.
Até a próxima, digitalizados!

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