Dando sequência ao nosso diálogo a respeito da guerra às drogas, vamos conversar no texto a seguir sobre duas decisões vinculantes, com efeitos sobre todos os tribunais, muito importantes tomadas pelo Superior Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), respectivamente, no que concerne à cannabis sativa, a famigerada maconha.
A primeira é a respeito do porte de maconha para consumo pessoal, que não é mais crime, apenas ilícito administrativo; a segunda é com relação ao cultivo de cannabis com fins industriais, médicos, farmacológicos, têxteis. Refere-se, pois, ao cultivo do cânhamo, maconha com baixo índice de THC (inferior a 0,3%).
Tendo em vista que a norma penal que cuida das drogas é chamada de “norma penal em branco”, ou seja, aquela que dependem de complementação, no Brasil tal feito se dá pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por meio da portaria nº 344 do órgão é que a sociedade brasileira pode ser informada do que é permitido e proibido no que concerne às drogas.
Ainda, antes de entrar nas minúcias dos julgamentos, faço-lhes breve introdução à botânica da planta milenar, cuja origem remonta a milhares de anos. Três são as espécies de cannabis: sativa, indica e ruderalis. Todas pertencentes ao gênero cannabis, mas a ruderalis é a mais usada para fins industriais.
Há, no imaginário popular, a crença de que a folha da maconha representa a substância proscrita, o que é um equívoco. Apenas os frutos de algumas plantas fêmeas (sativa, indica e suas manipulações genéticas) é que contêm quantidade o bastante de THC para causar alteração na consciência e a superar o limite de 0,3% de THC imposto pela Anvisa.
Há na maconha diversas outras moléculas relevantes ao corpo humano, à natureza, à sociedade e à economia. Como o CBD, o CBG e outras ainda em descoberta pela ciência. Considerando os longos séculos de proibição, as pesquisas sobre a planta se estagnaram, contudo, com a alteração na percepção global acerca das suas múltiplas propriedades terapêuticas e industriais, evidencia-se uma explosão nos estudos científicos sobre a planta, nas mais diversas áreas do conhecimento.
Nesse caminho é que se conclui pelo atraso que seria a manutenção da sua proibição, pois além dela levar ao aumento da violência, ela impede o avanço da ciência, da saúde individual e coletiva, e, por fim, perde-se um imenso mercado, que se estima alcance mais de R$ 1 bilhão em 2025.
No STF (Recurso Extraordinário nº 635659) ficou decidido que quem portar até 40 gramas de maconha ou tiver até seis pés de planta fêmea será tratado como usuário e, portanto, afastado de sanções penais. Não significa dizer que está liberado o consumo, mas que quem preencher os requisitos da decisão não será punido penalmente. Essa singela alteração no entendimento vai representar a soltura de muitos meros usuários, que sequer deveriam estar presos. Redundará, portanto, na economia de recursos do Estado, bem como na ampliação das possibilidades de abordagem como questão de saúde pública, não de polícia.
Na perspectiva industrial o Brasil é dotado de imenso potencial para ser um agente global não só na produção, mas na pesquisa, desenvolvimento industrial e distribuição da planta, tendo em vista nossas particularidades de solo, clima e geográficas, e a decisão tomada pelo STJ (Instituto de Assunção de Competência nº 16) facilita a ampliação desse mercado.
Portanto, nas decisões tomadas pelos tribunais, fruto de muita articulação política, luta e desobediência civil, apoiada na advocacia que se dedica ao assunto, reside o avanço na questão da maconha no Brasil, que ainda engatinha, mas dá seus primeiros passos rumo à uma política de saúde, inclusiva, que pode representar imenso potencial de arrecadação tributária, de criação de empregos, preservação do ambiente e potencial econômico. É preciso ter olhos de ver para enxergar o imenso potencial da maconha, muito além dos preconceitos secularmente difundidos.
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