Atualizado em 13/04/2025 – 09:35
Vínhamos conversando sobre as decisões nos tribunais a respeito da maconha, mas há algo que tem me incomodado e resolvi compartilhar com minha meia dúzia de insistentes leitores, ainda que minhas colunas sejam mensais. Na conclusão de uma especialização em Ciências Criminais, escrevi a respeito da influência da mídia nos processos de criminalização e lá se vão muitos anos. Guardei esses escritos, embora a angustia não tenha cessado. Diante da crescente espetacularização das redes sociais e do uso sistemático e abusivo de notícias relacionadas ao crime, as compartilho com vocês.
Alarma-me a instagramização das notícias, notadamente por veículos locais, caçadores de clicks e likes nos inundam com matérias sensacionalistas sobre crimes e supostos criminosos, forjam nossa mente para alguma sorte de pânico, calcado na construção benéfica ao capital da crença no punitivismo como religião, conforme nos ensina o mestre Nilo Batista.
Muitos veículos de mídia têm caído nessa armadilha, mesmo os de cariz mais progressista. Tem-se percebido que as pessoas foram condicionadas a gostar de notícias sobre crimes, sobretudo aquelas em que os “bandidos” acabam falecendo. É assustador notar uma sociedade que vive a comemorar a truculência, a violência e a morte, como se não fossemos todos partes do problema, afinal crimes são fatos sociais. A busca pelo like, pela visualização, turva mentes, seria apenas escolha editorial, desejo, gozo?
A criminologia midiática é um campo de pesquisa importante, na medida em que evidencia a manipulação de sentimentos e sensações da população, sobretudo o medo, para vender, para atrair leitores, patrocinadores. A disseminação de pavor pela via da mídia forja no inconsciente coletivo a sensação de que há impunidade e como consequência vê-se na sociedade a defesa cruel de uma escalada punitivista, enquanto o país alcança cifras recordes de presos.
É notável a simbiose entre o punitivismo atroz e a demagogia midiática, também a isso se dedica a crítica criminológica, afinal lucra-se com o medo que se ajuda a disseminar. As forças policiais montam suas guerras, autoridades judiciárias vazam decisões e operações à mídia e está feito o show.
Tamanha relevância não passa despercebida pela academia, fartos são os estudos nas mais diversas áreas do conhecimento tratando da influência da mídia na segurança pública e na sensação de segurança.
É do grande pensador argentino Eugênio Zaffaroni a afirmação:
Trata-se, portanto, de um discurso político amparado no inconsciente coletivo que explora a insegurança pública para a adoção de mais medidas punitivas. Assim, a crítica que se faz é amparada no saber cientifico contrariando o discurso maniqueísta cujo objetivo é expandir ainda mais o sistema penal repressivo injusto e seletivo, que é exercido apenas contra alguns bodes expiatórios.
É de se perguntar, não há boas notícias? Não há formas diferentes de noticiar crimes? A padronização das chamadas sensacionalistas parece evidenciar uma escolha abraçada por toda a mídia, a escolha pelo choque, pelo clique, custe o que custar, lucre o que lucrar.
O mais importante, no meu sentir, é observar o tratamento dispensado aos supostos criminosos. Os negros são rotulados conforme a suspeita: traficantes, ladrões, estelionatários, assassinos. Os brancos são anunciados como empresários, estudantes, médicos, engenheiros, logo aparece a profissão, a história de vida, a trajetória.
Negros têm trajetórias esquecidas, circunstâncias do suposto crime apagadas; importa apenas exibir a face negra, a face meticulosamente construída como a face do crime. Construção política, social, fundada em um racismo tão brutal, que se disfarça, que se apresenta como notícia, enquanto destrói autoestimas, fulmina famílias, amores e consciências.
É preciso ter olhos de ver, como nos alerta Jurema Werneck, é preciso ter olhos de ver para perceber a escolha editorial pela violência, pela exibição preconceituosa de supostos autores de crimes, não consigo crer na escolha editorial inocente.

Receba, semanalmente e sem custos, os destaques mais importantes do ES, do Brasil e do mundo diretamente no seu e-mail.