Atualizado em 19/09/2025 – 09:40
O parquinho é um lugar selvagem. Uma criança de uns seis ou sete anos vestida de Homem-Aranha diz “tem um amiguinho aqui que eu conheço há muitos anos, desde o CMEI… Preciso espioná-lo”. O menino baixa da testa a máscara, tornando-se um completo Homem-Aranha-espião.
A máscara não decide se é máscara ou se é chapéu. O menino corre de máscara na testa, de um lado para o outro, gritando “eu tenho a coragem do Homem-Aranha”! E vai arregimentando seguidores. Crianças com outras vestimentas, como uniformes ou roupas chatas comuns de malha, seguem o Homem-Aranha do parquinho.
E tem o pobre do Rodrigo que é uma criança que está sempre chorando neste parquinho. Eu vim três vezes aqui e esse menino estava de berreiro aberto em todas. Rodrigo talvez não chore tanto em casa, mas no parquinho, é batata.
A irmã de Rodrigo, entretanto, já fez quatro amigas e a mãe está tranquila. Rodrigo chora no escorregador, dando conta das próprias emoções. Este é um bom aprendizado do parquinho, na minha visão. O parquinho é um lugar feito para as crianças lidarem com frustração. Toda hora tem uma.
As crianças têm problemas distintos. Uma reclama que quer brincar de mamãe e filhinha e ninguém quer brincar com ela _apareceu amiguinha querendo brincar, mas ela ignora e mantém o holofótico problema. O menino reclama que tomou um tapa. Um terceiro reclama que quer picolé.
Uma mulher está oferecendo paçoca para as crianças e eu preciso proteger o que veio comigo e tem alergia a amendoim. Brigo com a adulta em questão: não pode oferecer comida para filho dos outros. Você não sabe se vai ou não vai matar a criança.
No meio disso tudo, alguma criança se chama Matias, e toda hora acho que estão chamando “tia”. Tia sou eu. Eu fico olhando de um lado para o outro várias vezes até perceber que dizem Matias e não tia. Toda vez.
Grifo aqui: além da voz de todas as crianças adquirirem timbre semelhante no parquinho, o choro tem o mesmo feitiço. Se o timbre do choro é diferente no mundo, no parquinho, não. O que por um lado é ruim, porque a gente fica alerta, mas por outro é bom, já que todos os adultos (mulheres) estão alertas também. O parquinho é uma maquete da aldeia de educar uma criança.
O parquinho é um lugar selvagem, como o mundo. E o menino ainda joga teia nos outros com a máscara ora na testa, ora cobrindo todo o rosto, com sua coragem de Homem-Aranha.
Eu fico sem saber se ele conseguiu ou não espionar o antigo amiguinho do CMEI, se todos brincam jutos, se eu não reconheço choro direito por não ser mãe. Por fim, será que o Homem-Aranha se chama Matias?

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