Quando eu era repórter de política, passava por algumas situações engraçadas e até constrangedoras que não cabiam nos jornais. Certo dia, a pauta chegou assim: “Por voto, eles comem até gambá”.
Eu fiquei brava. Achei o assunto muito pouco político e que _ mais uma vez_ a única repórter mulher tinha que fazer pauta de comida. Eu também não sabia como eu ia fazer para achar alguém que tivesse comido gambá.
Sem o gambá, a reportagem não se sustentaria. Eu precisava arrumar dois comedores de gambá, pelo menos. Percebi logo o jeito mais fácil de ver políticos dispostos: dois dias com meu crachá de imprensa na porta do Plenário da Assembleia Legislativa perguntando para deputado por deputado.
_ Deputado, o senhor já comeu gambá na campanha eleitoral?
A primeira coisa que eu descobri foi que todo mundo que come gambá come enganado. Bom, pelo menos era assim que eles se articulavam para dizer. Ninguém falou “ui, quero comer um gambá”. Era sempre “olha aqui uma comida muito gostosa”. A pessoa deputada comia e depois a pessoa oferecedora dizia “é gambá”.
Mas há uma unanimidade: todo mundo que comeu gambá falou que parecia frango. Outro adendo, não dava pra tirar foto do petisco porque é crime cozinhar gambá. Carne de caça é proibido no Brasil. De todo modo, arrumei dois comensais que tiraram foto com um belo torresmo.
Fora o gambá, naquela semana eu precisava de curiosidades sobre as comidas eleitorais e eu tinha 25 anos. Me faltava um pouco da malícia que sobrava em nossos deputados estaduais.
Lá na porta do Plenário da Assembleia eu esperava cada deputado sair e perguntava:
_ Qual a coisa mais esquisita que o senhor já comeu?
Até que um simpático e antigo parlamentar ficou rachando de rir da minha cara com essa pergunta antes de dizer “comi muita coisa esquisita, mas comi muita mulher boa também”. Eu fiquei constrangida, mas disfarcei (lembrem-se, eu era a única mulher naquele ofício, não ia dar aos poderosos o luxo de minha timidez).
O antigo democrata quis, então, ficar do meu lado, acompanhando os deputados que saíam, para ver qual ia ser a resposta. O resultado foi que eu mudei o jeito de fazer a pergunta, comecei a prestar mais atenção nos duplos sentidos passei a perguntar algo como:
_ Dos alimentos que te foram oferecidos qual foi o mais estranho, o mais diferente que o senhor consumiu em uma campanha eleitoral?
Meu parceiro parlamentar de reportagem não ficou feliz com aquilo. Ele queria que eu fizesse a pergunta do mesmo jeito “qual foi a coisa mais esquisita que você já comeu numa campanha eleitoral?” para todos. Eu me mantive em saia justa por uns dois deputados, que riram muito junto com o democrata-simpático-aprendiz-de-repórter.
Foram dias divertidos, entre gambás e linguiças de sangue, consumo de café frio e outras anedotas. Tinha gente que chegava a tomar 50 cafezinhos por dia e ainda dizia que aquilo era bom. “O café me deixa acesa!”, nunca esqueci a fala.
Quando cheguei na redação para escrever, tinha história que ia de gente que leva uma linguiça e dorme na casa do eleitor até político cozinheiro campeão de peixe assado. Mas a conclusão de tudo ficou mesmo na primeira frase da reportagem que está lá arquivada até hoje: para conquistar votos (e entrevistas), é preciso ter estômago.

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