Atualizado em 07/08/2025 – 17:25
Há algo profundamente errado quando juristas comemoram uma decisão flagrantemente ilegal só porque o réu em questão é alguém que não lhes agrada. E não estamos falando de leigos, nem de militantes digitais. Estamos falando de profissionais do Direito que, diante de um erro técnico grosseiro, escolhem o aplauso em vez da análise.
Não estamos discutindo a história do ex‑presidente, nem seus feitos. Estamos falando de rito processual. Caro leitor, peço que deixe sua opinião política de lado neste momento. A prisão domiciliar decretada ao ex-presidente Jair Bolsonaro escancarou um vício processual evidente: não houve decretação prévia da prisão preventiva. O Código de Processo Penal é claro: prisão domiciliar não é modalidade cautelar autônoma, só pode ocorrer como substituição à prisão preventiva, conforme o artigo 318. Sem preventiva válida, não há fundamento legal que sustente a domiciliar.
Do mesmo modo, foi por falhas processuais, não por mérito, que o ex-presidente Lula foi solto: sua prisão, baseada em condenações de segunda instância, foi anulada pelo STF, que considerou a execução provisória da pena inconstitucional, além de reconhecer a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ou seja: o erro estava no rito, não no Direito material.
Mesmo assim, o que vimos foi uma onda de celebrações. Juristas justificando o injustificável, relativizando garantias básicas em nome de uma pretensa justiça moral. Mas justiça moral, quando descolada da legalidade, não passa de revanche travestida de jurisprudência.
É urgente que aprendamos a reconhecer quando há erro na tomada de decisões, especialmente quando o erro está visível e documentado. A polarização transformou o debate institucional num campo de futebol: torcidas organizadas de um lado e de outro, em que vencer importa mais do que acertar. O problema é que, nesse jogo, quem perde somos nós, enquanto sociedade.
Pergunto: devemos comemorar hoje uma prisão domiciliar que ignora o rito, sabendo que a mesma gentileza ao processo pode liberar um réu no futuro? Qual a lógica de celebrar um circo jurídico, se amanhã pode trazer injustiça a qualquer um?
Precisamos romper esse ciclo. O exercício da cidadania não pode ser pautado apenas por paixões políticas ou fidelidades ideológicas. É preciso coragem para criticar o próprio lado, reconhecer exageros, apontar desvios e defender os princípios, mesmo quando eles protegem quem você não gostaria de defender. Isso não é neutralidade. É compromisso com a democracia.
Estamos num ponto em que a paixão política parece contaminar até quem deveria zelar, acima de tudo, pela ordem jurídica. A seletividade não é apenas sintoma de um sistema falho, é também um espelho da nossa formação. Quando o devido processo legal vira “detalhe técnico” diante de um nome impopular, o que sobra do Direito?
É assustador perceber que a ideologia tem se tornado critério para validar ou ignorar princípios constitucionais. A imparcialidade, a legalidade e a ampla defesa não são prêmios a bons cidadãos, são garantias para todos, inclusive para quem você não gosta. Especialmente para quem você não gosta.
Porque quando o Direito começa a ser interpretado sob medida para punir um inimigo, ele já deixou de ser Direito. E quando juristas embarcam nesse roteiro, deixam de ser operadores da justiça para se tornarem apenas mais um grupo de torcedores organizados.
Hoje é com ele. Amanhã pode ser com você.
Este artigo é de responsabilidade da autora e não reflete necessariamente a opinião editorial do VIXFeed.

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