Atualizado em 25/04/2025 – 13:40
Com o acesso à internet acontecendo cada vez mais cedo, garantir que crianças e adolescentes desenvolvam uma relação saudável com a tecnologia se tornou um desafio para muitas famílias. Como estabelecer limites, evitar o uso excessivo e acompanhar o uso que os filhos fazem do ambiente digital sem invadir sua privacidade? Para especialistas, o melhor caminho não está na proibição, mas no diálogo e na construção conjunta de acordos. O VIXFeed conversou com a psicóloga clínica, terapeuta comportamental e Pós-Doutora em Saúde Mental, Anna Beatriz Howat para entender como os pais podem lidar com essa questão.
Hoje, a internet está completamente integrada ao cotidiano dos jovens: faz parte de momentos de estudo e aprendizagem, de socialização e de lazer. Essa tecnologia pode ser uma grande aliada no desenvolvimento de crianças e adolescentes, entretanto, de acordo com a doutora Howat, é fácil para uma pessoa que nasceu em um mundo conectado passar rapidamente para esse patamar de uso excessivo se não houver orientação.
“Primeiramente porque a utilização da tecnologia precisa ser ensinada, como quando você ensina seu filho a olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. Segundo, porque aquela criança não está biologicamente preparada, com suas funções executivas prontas, para dar conta de algo que é tão dopaminérgico e te proporciona acesso infinito ao que você pensar”, explica a psicóloga.
De acordo com Anna Beatriz Howat, o uso excessivo pode até mesmo interferir negativamente nas funções executivas em cérebros em desenvolvimento, como na capacidade de atenção, de memória operacional, de controle inibitório e tomada de decisões. Muitas horas gastas na frente das telas podem reduzir o tempo gasto em atividades como a leitura de livros, atividades ao ar livre ou aeróbicas, por exemplo, o que pode impactar o desenvolvimento da linguagem e causar problemas como obesidade e distúrbios do sono. Além disso, a internet pode ser usada pelos jovens como uma “fuga” da realidade:
“Hoje já se usa o termo na literatura de ‘chupeta digital’, quando se fala de pais que usam da tecnologia para o filho não se desregular emocionalmente. E isso continua ao longo da vida: muitos jovens usam a internet como forma de escape emocional, o que pode reforçar padrões de evitação em vez de enfrentamento saudável das emoções. A internet pode parecer uma solução para a solidão, mas o uso excessivo tende a intensificar sentimentos de isolamento e dificuldades de relacionamento presencial”, explica a psicóloga.

Como incentivar uma relação saudável com a internet?
O “Crianças, Adolescentes e Telas – Guia Sobre Usos de Dispositivos Digitais”, produzido pelo Governo Federal orienta, baseado em informações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que crianças com menos de 2 anos não sejam expostas às telas. Recomenda ainda que, quando a criança tiver entre 2 e 5 anos, o tempo de tela não ultrapasse uma hora por dia, de preferência interagindo com adultos.
Para a faixa entre 6 e 10 anos, o limite pode ser ampliado para duas horas diárias, enquanto adolescentes entre 11 e 17 anos devem manter o uso em até três horas por dia.
Entretanto, esse cenário não é realidade em muitas famílias, que vem permitindo o uso da internet, principalmente do aparelho celular, cada vez mais cedo. Na formação da relação de crianças e adolescentes com a internet, o papel da família é fundamental. Para a psicóloga, pais devem fazer o seu uso da internet um exemplo para os jovens e acompanhar e participar da vida digital dos filhos, conversando sobre os conteúdos acessados, entendendo os interesses da criança ou adolescente e orientando-os sobre o uso consciente e seguro da internet.
“É muito importante que a entrada do adolescente no mundo conectado seja acompanhada de perto. E num primeiro momento a gente nem fala de privacidade, a gente fala de ensinar a usar com supervisão. Está tudo certo, o filho precisa ter consciência que o pai estará ali monitorando o uso e só vai ‘soltar a mão’ do filho quando ele perceber que ele está ‘olhando pros dois lados antes de atravessar a rua’”, explica a psicóloga Anna Beatriz Howat.
Essa supervisão parental, de acordo com Anna Beatriz, pode ajudar a evitar padrões de uso problemático: “Quando os pais estão engajados de forma saudável, há menos chance de conflitos, agressões e frustrações, que são comuns em famílias que não conseguem lidar com o uso problemático de internet. A relação que precisa acontecer ali é de confiança em vez de vigilância ou punição. E aí a gente cria acordos sobre tempo de tela, tipo de conteúdo, e alternativas saudáveis de lazer”, ressalta.
Esses combinados entre pais e filhos também são incentivados pelo guia produzido pelo Governo Federal, que defende que devem ser estabelecidas regras e acordos claros de utilização da internet, que não sejam impostos, mas sim explicados para os jovens de forma respeitosa e ensinem uma convivência digital responsável.
O documento do Governo Federal também orienta sobre a importância de estabelecer diálogos sobre os riscos presentes na internet – principalmente com o uso das redes sociais -, como conteúdos inapropriados para jovens, pornografia, cyberbulling, assédio sexual e desafios perigosos propostos em comunidades on-line.
“Uma dica muito valiosa que eu costumo dar para os pais é que, à medida que você ache importante dar acesso à sua criança a dispositivos eletrônicos, faça isso inicialmente demarcando que o dispositivo é seu. O celular, o tablet, é dos pais e eles vão estar junto, ensinando como usar, limitando tempo, conteúdo, local, etc. Se uma criança tem um dispositivo que é dela, o manejo é dela, assim como os brinquedos que ela tem. Assim fica muito mais difícil para os pais desenvolverem esse aprendizado”, explica a psicóloga Anna Beatriz Howat.
Ela recomenda que, quando o filho atingir a fase da pré-adolescência e os pais identificarem que o ensino de como lidar com a tecnologia está indo bem, aí se pode dar ao jovem um aparelho celular próprio. Ainda assim, é preciso estabelecer novas regras de uso.
Supervisão parental é invasão de privacidade?
A revolta e a quebra de confiança em relação ao monitoramento do uso da internet se dão justamente quando os pais não estabelecem esses acordos fundamentados no diálogo, explica a psicóloga Anna Beatriz Howat.
“Normalmente, pais que não constroem essa narrativa de aprendizagem e dão acesso ilimitado acabam sendo acusados, quando se preocupam ou se dão conta de uso abusivo, de serem invasivos. Porque aí eles vão precisar monitorar tudo o que o filho faz on-line sem diálogo e isso vai ser visto como falta de confiança. ‘Do nada’ as regras do jogo mudam e eles começam a bloquear conteúdos ou restringir acessos sem conversar antes e isso transmite uma mensagem de autoritarismo, não de cuidado. O filho, que nunca participou da construção desse aprendizado, fica achando que a leitura das mensagens fere a autonomia e o senso de identidade, especialmente na adolescência”, explica a psicóloga.
“Quando os filhos entendem que o acompanhamento tem função, eles tendem a ser mais receptivos. Em vez de só proibir, a gente precisa ajudar o filho a refletir sobre o impacto do uso da internet na vida dele”, acrescenta Anna Beatriz.
Que sinais podem indicar o mau uso da tecnologia?
Existem alguns sinais e mudanças de comportamento que podem indicar que o uso da tecnologia deixou de trazer somente benefícios e se tornou excessivo e não saudável. Anna Beatriz Howat explica que um sinal comum é a falta de controle no tempo de uso, quando a criança ou adolescente tenta parar de usar os aparelhos eletrônicos, mas não consegue e fica on-line além do que o combinado.
Esse descontrole pode vir acompanhado de uma negligência a outras áreas da vida, como queda no desempenho escolar, desinteresse por atividades offline, amigos ou familiares e descuido com alimentação, higiene ou sono.
Além disso, ela ressalta que mudanças emocionais, como irritabilidade, ansiedade ou agressividade, quando o acesso a internet é interrompido também podem ocorrer. “Esses comportamentos não significam, necessariamente, uma dependência, mas indicam que o uso pode estar se tornando inadequado. Por isso, é fundamental observar a frequência, a intensidade e os prejuízos causados, além de manter sempre um canal de diálogo aberto e acolhedor”, frisa a psicóloga.

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