Atualizado em 04/04/2025 – 08:36
A cultura incel é o foco de uma pesquisa de Iniciação Científica conduzida no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). O estudo investiga essas comunidades on-line e analisa, além de suas dinâmicas internas, a influência da masculinidade tóxica do movimento Red Pill e do racismo estrutural nas ideias propagadas nesses espaços.
O termo incel vem da expressão em inglês “involuntary celibates” (celibatários involuntários) e surgiu em 1990. Com a popularização da internet, principalmente homens jovens que se identificavam com o termo passaram a se reunir em fóruns on-line, que deram origem a uma vertente mais radical marcada por discursos antifeministas, conhecida como “manosfera” ou “machosfera”. Recentemente, o tema ganhou destaque devido a série “Adolescência”, da Netflix, que explora o que o fenômeno incel e seu impacto na juventude masculina.
A pesquisa, intitulada “Análise psicossocial da cultura incel: explorando facetas on-line e na vida real”, é de autoria do estudante de graduação em Administração Yan Cardoso, com orientação da professora do Departamento de Ciências Sociais Maria Cristina Dadalto. Nela, o autor analisa a organização desses grupos (tanto nos ambientes digitais quanto nas interações cotidianas), suas dinâmicas internas, a diversidade de suas perspectivas e suas influências sociais, econômicas e morais, e os fatores psicossociais (como identidade, emoção e exclusão) que os moldam.
O pesquisador utiliza conceitos acadêmicos, abordagem qualitativa e métodos de etnografia virtual para entender como a incapacidade de alcançar padrões sociais associados ao sucesso romântico ou estético alimenta frustrações e coopta os homens para esses movimentos.
O estudante conheceu alguns fóruns incel aos 13 anos e atuou como observador participante até os 19, e explica que as comunidades são complexas: “Não são monstros misóginos e nem todas essas caricaturas criadas pela mídia. Defini-los é navegar entre abismos”, explica.
Em sua experiência como observador inserido nestes grupos, Cardoso, jovem negro, percebeu o racismo estruturado que permeia nas ideologias divulgadas pelos grupos.
“Vivi a solidão afetiva que muitos associam ao universo incel, mas percebi que a exclusão racial adicionava camadas invisíveis a essa dor. Enquanto a cultura incel frequentemente reduz a rejeição a questões estéticas ou de ‘status’, minha vivência mostrou que o racismo é estruturado. Isso me levou a questionar como a comunidade incel ignora a interseccionalidade: um negro não é só rejeitado por ‘baixa altura’ ou ‘mandíbula fraca’, mas por estereótipos racistas enraizados”, ressalta o estudante.
A pesquisa também estuda a vertente Red Pill, termo criado em referência à pílula vermelha do filme Matrix, que permite que o usuário enxergue a realidade e se liberte da ilusão. Segundo o pesquisador, enquanto os incels focam na solidão, os red pills transformam a frustração em uma ideologia de guerra contra o “sistema dominador das mulheres”.
Para a orientadora da pesquisa, a professora Maria Cristina Dadalto a pesquisa é importante para incitar as pessoas a conhecerem e se aprofundarem nesses temas.
“Quando temos um estudo desenvolvido por um pesquisador como o Yan, que conheceu esse submundo sendo um rapaz negro e que já se sentiu rejeitado, isso nos põe em alerta; nos obriga a olhar para a nossa sociedade e entender como ela é estruturalmente racista e machista, além de mostrar que a família tem que estar mais presente e que o silêncio precisa ser rompido”, avalia Dadalto.

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