Pelas mãos ágeis que carregam mais de quatro séculos de conhecimento vindos dos povos indígenas, é feito um dos artigos mais tradicionais do Espírito Santo: a panela de barro. Cerca de 60 paneleiras em Goiabeiras, bairro de Vitória, continuam a atuar nesse ofício que passa de geração a geração, reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Capixaba. Nesta segunda-feira (7), é comemorado o dia dessas mulheres, o Dia das Paneleiras.
Do barro retirado do Vale do Mulembá – no bairro Joana D’Arc, também em Vitória – ao manuseio pelas mãos firmes e sábias das paneleiras e, por fim, à queima a céu aberto, nasce a panela de barro. Mais do que um utensílio, ela é um símbolo cultural, ligada à tradição e à identidade do Espírito Santo. É nela que é preparada a moqueca capixaba, prato reconhecido nacionalmente e cuja autenticidade está diretamente relacionada ao uso desse recipiente artesanal.
De geração em geração: 400 anos
A fabricação artesanal das panelas de barro é um oficio que constitui um saber passado por gerações há mais de 400 anos, de acordo com dados da Prefeitura de Vitória.
Esse ofício, predominantemente feminino, é transmitido de mãe para filha ao longo das gerações: cada uma dessas mulheres teve alguém para se inspirar a continuar no caminho, que hoje é fonte de sustento para muitas famílias. “Eu aprendi com a minha mãe, que deve ter aprendido com a minha avó, e antes disso com a minha bisavó”, explicou a paneleira Jaqueline Gomes.
Rejane Corrêa Loureiro é paneleira e exerce a função profissionalmente desde os 13 anos. “Cresci vendo minha mãe fazendo panela de barro. Quando criança, eu brincava no quintal fazendo panelinhas, fui aprendendo e ajudando minha mãe no acabamento, e acabei pegando gosto. Eu sou a quarta geração a continuar essa tradição”, contou.
Porém, mesmo carregando a cultura e alma do estado, elas ainda passam por dificuldades, como explicou a presidente da associação das paneleiras Berenicia Correa.
“A comunidade, para manter viva a prática das paneleiras, tem que ser ‘nós por nós mesmos’ aqui dentro. Se dependermos de ajuda de poderes municipais e públicos, a gente já teria desistido. Mas como a nossa profissão é fazer panela, é a cultura do nosso estado, a gente continua firme. A questão maior é que deveríamos ter mais ajuda dos poderes, porque a cultura é de todo o Espírito Santo.”
Patrimônio Cultural Imaterial
O reconhecimento da panela de barro como Patrimônio Cultural Imaterial se dá justamente pelo seu processo de produção e seu significado social. Abrange práticas, representações, expressões, conhecimentos, técnicas e lugares que as comunidades, grupos e indivíduos reconhecem como parte integrante de sua identidade cultural.
Diferentemente do patrimônio material — como edifícios, monumentos e objetos —, o patrimônio imaterial é transmitido oralmente ou por meio da prática cotidiana, estando em constante recriação, conforme as transformações sociais e culturais. No caso das paneleiras de Goiabeiras, a técnica da confecção das panelas de barro, passada de geração em geração, envolve não apenas o saber-fazer artesanal, mas também práticas coletivas de trabalho e modos de vida que mantêm vivas tradições ancestrais.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan): “O processo de produção das panelas de Goiabeiras conserva todas as características essenciais que a identificam. As panelas continuam sendo modeladas manualmente, com argila sempre da mesma procedência e com o auxílio de ferramentas rudimentares. Apropriado dos indígenas por colonos e descendentes de escravos africanos, a técnica cerâmica utilizada para a produção das panelas é reconhecida por estudos arqueológicos como legado cultural Tupi-guarani e Una.”


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