Atualizado em 30/04/2025 – 15:28
Não foi preciso muito: bastou o boato de que a Nike lançaria uma camisa vermelha para a Seleção Brasileira para que parte do país entrasse em combustão simbólica. A peça, que tradicionalmente veste o verde e amarelo ou o nosso belíssimo azul, foi rapidamente reduzida ao espetáculo político da polarização – e não é por menos: as eleições de 2026 já começaram nos bastidores. A guerra ideológica brasileira, que já supostamente sequestrou as cores da bandeira, agora mira o uniforme da Seleção – um acaso bem curioso às vésperas do calendário eleitoral. E o que era para ser só futebol virou, de novo, campo de batalha.
A camisa vermelha é bonita, inspirada na cor do pau-brasil – árvore que dá nome ao país e cuja seiva avermelhada foi explorada pelos colonizadores. Há, portanto, um valor histórico e simbólico legítimo em resgatar essa cor como parte da identidade nacional. Mas será que foi o melhor momento para trazer à tona esse fato histórico, ou podemos considerar que foi um novo tiro no pé?
A reação ao uniforme escancara um dilema político que a esquerda ainda não resolveu: a insistência em disputar a narrativa pelo vermelho pode ser, mais uma vez, uma armadilha. Mesmo com o argumento de que o uniforme já foi usado anteriormente, convenhamos: nessa jogada, quem realmente vai lucrar é a Nike. Afinal, embora ambos os modelos sejam da Seleção, quem dividirá a pátria mais uma vez será o time ideológico – e, pela repercussão, vimos até mesmo progressistas se posicionando contra essa jogada simbólica travestida de “resgate histórico”.
Num país onde símbolos ganharam nova roupagem e viraram trincheiras políticas, a esquerda passou anos recuando diante das cores da bandeira – cores que foram muito bem apropriadas pela extrema direita como expressão de “patriotismo puro”. E, sejamos justos: se alguém soube capitalizar emocionalmente sobre o orgulho nacional, foi a direita. Desde as manifestações de 2013, passando pelo impeachment e pelas eleições de 2018, o verde e amarelo virou sinônimo de conservadorismo, bolsonarismo e antipetismo. Enquanto isso, a esquerda se refugiou no vermelho, acentuando a divisão estética do país – e se afastando, perigosamente, da ideia de que ser de esquerda também é lutar pelo Brasil.
Mas, em 2024, a estratégia de resistir pelo vermelho já dá sinais de fadiga. A polarização perdeu fôlego nas urnas, e os eleitores flutuantes – especialmente os das periferias e do interior – estão preocupados com segurança, comida no prato e serviços públicos que funcionem. Neste cenário, insistir em acirrar a disputa simbólica só alimenta o espantalho do “perigo vermelho” – um delírio antigo, mas que ainda mobiliza emocionalmente uma parcela expressiva da população.
É justamente aí que a esquerda escorrega de novo. A rejeição à camisa vermelha entre grupos de centro e centro-esquerda foi alta, e mais uma vez ficou claro que é preciso ter coragem para retomar o verde e amarelo – e não sair em defesa de um novo “design” nas redes sociais com uma cor que contraria até o estatuto da CBF. Não se trata de oportunismo, mas de estratégia simbólica. E a verdade é que, mais uma vez, quem venceu – com razão – foi a narrativa da direita. As cores da bandeira são de todos. Entregá-las de bandeja à extrema direita é um erro tático grave. A vitória política, hoje, passa por romper a lógica do “nós contra eles” cristalizada na estética nacional. E isso começa pelos símbolos.
No fim das contas, quem está rindo por último — e alto — é a direita. Porque, enquanto a esquerda se atrapalha em debate de paleta de cor, tentando justificar uma camisa vermelha com referência ao Pau-Brasil, a direita faz o que sempre fez bem: cola símbolo com discurso e empacota tudo com marketing de massa.
E o pior: funciona. Funciona porque é direto, emocional, simples. Enquanto a esquerda escreve textão, a direita entrega um bordão. E cola. Cola porque o povo quer sentir que alguém fala a língua dele — e nisso, a esquerda anda tropeçando feio. Parece que vive mais pra agradar os pares acadêmicos do que para criar conexão com a quebrada, com a praça, com o bar do bairro.
É duro falar, mas tem hora que a esquerda parece viver de performance para a bolha. E se acha esperta por lançar camisa “conceitual” enquanto a base — aquela que vota — está pedindo comida barata e transporte decente. Sabe o que acontece? Perde. De novo. Porque ainda não entendeu que política também se faz com símbolos, com imagem, com gesto que abraça o país todo.
Se continuar nessa, vai seguir entregando de bandeja tudo que poderia ser ferramenta de construção — inclusive as cores da bandeira. E olha que absurdo: isso a direita entendeu direitinho. E, infelizmente, ainda joga esse jogo praticamente sozinha.

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