Atualizado em 21/05/2025 – 16:09
Dando razão ao título da coluna, na desse mês vamos conversar sobre teorias, discursos e práticas racistas, tecnologias de manipulação, convencimento e controle de mentes e corpos, artifícios, ardis, práticas meticulosamente pensadas para sumir com essa gente do país.
“No dia 14 de maio eu saí por aí, não tinha trabalho, nem casa, nem para onde ir…” escreve e canta Lazzo Matumbi, imenso compositor e cantor Baiano. Na canção 14 de maio, Lazzo denuncia a farsa da celebração da abolição da escravidão na data em que o cambaleante Império a assinou, pelas mãos de Isabel.
É fruto de disputa política, de luta ancestral, a prevalência atual da versão contada pela coletividade negra brasileira, que deslocou a celebração da abolição do dia da sua formalização textual, para a data que se presume ser a de morte de Zumbi, grande guerreiro e líder do Quilombo dos Palmares, localizado em Alagoas, 20 de novembro.
“Levando a senzala na alma, subi a favela, pensando em um dia descer, mas eu nunca desci…”, o que Lazzo denuncia, o que a luta negra aponta é a prática reiterada de aniquilamento do povo negro no Brasil. No período pós-abolição ao invés de políticas de inclusão, do fornecimento de estudo, saúde, moradia, emprego, os recém-libertos foram abandonados à própria sorte.
No curso dos anos que sucederam à abolição, os homens de ciência brasileiros, fundados em teorias importadas e pioradas por aqui, notadamente os médicos, juristas e engenheiros, uma pequena, porém, poderosa franja da sociedade, trabalhava com alguma organização para forjar uma nova nação, embranquecida. Homens brancos, ricos, que estudavam na metrópole e retornavam para ocupar postos de poder e destaque nas principais cidades brasileiras.
Para tentar cumprir seu macabro desiderato, surgiu a teoria da mestiçagem, cuja releitura tem sido ventilada nas redes sociais. No entanto, na prática, a suposta mestiçagem prestava para funcionar como marcador social da diferença, sobretudo fundada em teorias evolucionistas e em darwinismo social.
Como se visava embranquecer a sociedade, além do apagamento e do aniquilamento, da eugenia, fomentou-se a imigração como política de Estado, trazendo ao Brasil milhares de brancos europeus, os quais tiveram melhor sorte ao aportar no Brasil. Aos negros sequestro e trabalhos forçados, aos brancos boas vindas e empregabilidade.
A mais bem sucedida teoria e prática, contudo, é a democracia racial, segundo a qual o Brasil seria um país moderno, ambíguo, contraditório, uma civilização tropical glorificada, onde todas as raças poderiam conviver, um paraíso racial.
O mito da democracia racial funcionou como tabu tratado como tema proibido, contaminou o oficialismo brasileiro e chegou à UNESCO, que enviou missão ao fantasioso paraíso racial. Aqui chegando, a verdade foi apresentada e a farsa – embora descoberta -, contudo não foi derrotada. A mentira permanece, ainda hoje há quem defenda a convivência pacífica e harmônica entre as raças, ainda hoje há quem pregue que as diferenças, quando existentes, são de classe social, apenas.
A abolição formal se deu em 1888, todavia a sociedade segue estruturada na mesma forma, ainda que com alterações, constituições e novas formações sociais, a ordem racial permanece, a supremacia branca é resiliente, malgrado a luta negra tenha colhido algumas vitórias, notadamente no campo do acesso à educação, via ações afirmativas.
A democracia racial é vencedora em seu ardil, pois atua nas alcovas, mascara suas reais intenções, afinal, com isso, joga o racismo para debaixo do tapete, enquanto as desigualdades no mundo real gritam, enquanto as diferenças no acesso à saúde, trabalho, moradia. Enquanto a pele negra é alvo das balas da polícia, da violência cotidiana, da guerra às drogas, a vida segue com a crueldade dos dias, relegando ao negro à luta perene.
“Mas minha alma resiste, o meu corpo é de luta, Eu sei o que é bom, e o que é bom também deve ser meu, A coisa mais certa tem que ser a coisa mais justa, Eu sou o que sou, pois agora eu sei quem sou eu”, arrebata Lazzo.
Apesar das múltiplas tentativas, ainda que Abdias Nascimento esteja correto quando afirma o Genocídio Negro no Brasil, o povo negro além de sobreviver, vive, com todas as dificuldades, ainda marginalizado, ainda lutando para receber do Estado e da sociedade brasileira o pagamento por essa dívida impagável: a reiteração das políticas de morte do povo negro.
Com o passar dos anos, cada vez mais, o negro vai tomando gerência da sua vida, da sua autonomia, respeitando sua ancestralidade, reconstruindo histórias, apesar de todo apagamento, de todo aniquilamento, o corpo que é de luta é muito mais do que isso, é corpo de inteligência, de criatividade, de criação de realidades e subjetividades, que formam e regem o país, sobretudo pela via mais bonita, que é a da cultura, afinal: “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.
P.S: a coluna deve ser lida ao som da música 14 de maio, de Lazzo Matumbi.
P.S2: desenvolvo longamente o assunto no meu livro “da Chibata ao Camburão”, que pode ser comprado comigo, via redes sociais.

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